Depois de três anos de ausência, as Conversas Foto-Fílmicas regressaram em 2023 para um novo ciclo, Photo Limits. A iniciativa nascida no EVAM – Observatório em Estudos Visuais e Arqueologia dos Media (grupo Cultura, Mediação e Artes do ICNOVA) é agora organizada pela investigadora Sandra Camacho, em estreita relação com o projeto pós-doutoral que está a desenvolver no ICNOVA.
Depois de duas sessões já realizadas, em fevereiro e maio, a terceira “Conversa” está marcada para dia 27 de junho, às 18h, no Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, com a artista Susana Paiva.
Em entrevista exclusiva, Sandra Camacho aborda as especificidades do novo ciclo Photo Limits, o contributo dos artistas convidados para estas “Conversas” e de que forma é que os temas se relacionam com o seu projeto de Pós-Doutoramento.
As Conversas Foto-Fílmicas surgiram em 2018 para incentivar diálogos entre artistas, investigadores e público em geral. Este ano, regressaram para um novo ciclo, Photo Limits, com três sessões. O que se manteve e o que mudou nas “Conversas”?
Exatamente, as Conversas Foto-Fílmicas originalmente foram estabelecidas pelo EVAM, com a Maura Grimaldi, Isabel Stein e Filippo De Tomasi, entre outros. Dinamizaram-se bastante conversas até 2020, altura da pandemia, depois pararam e não voltaram a ser retomadas. Quando cheguei agora ao ICNOVA, para o Pós-Doutoramento, o meu projeto já incluía um ciclo de três conversas com parâmetros semelhantes ao das Conversas Foto-Fílmicas, pelo que retomar a iniciativa fez todo o sentido. Temos, no entanto, diferenças. Desde já nos conteúdos abordados: o ciclo anterior era mais aberto a questões de cinema, enquanto no Photo Limits não vamos para a imagem em movimento, é só mesmo fotografia, que é o âmbito do meu projeto. Portanto, estamos a trabalhar com artistas que trabalham sobretudo a fotografia como médium principal.
Em que tipo de perspetivas?
Uma vez que o ciclo Photo Limits se insere no meu projeto de Pós-Doutoramento – Explorações Artísticas de Limitações Tecnológicas na Fotografia Portuguesa do séc. XXI –, as questões abordadas convergem. O projeto estuda questões de limitações tecnológicas como gatilhos criativos para artistas. Portanto, os artistas presentes são convidados nesse âmbito: têm trabalhado, na sua obra, a expansão de certas limitações. Já tivemos como convidados Carla Cabanas e Tito Mouraz. Na próxima conversa, no dia 27, será Susana Paiva.
De que forma é que estes artistas têm explorado as limitações tecnológicas?
A Carla Cabanas, que esteve presente na conversa de fevereiro, trabalha muito as questões de memória e de arquivo e, na parte técnica, explora muito a plasticidade e maleabilidade do suporte. Ou seja, como é que o suporte fotográfico pode ser expandido, amplificado… Isso vai desde subverter determinados suportes – temos, por exemplo, caixas de luz que, em vez de serem viradas para o espetador, são viradas para a parede – até questões como apresentar uma fotografia que, em vez de ser plana, é modelada de tal forma que fica contorcida e impede a visibilidade. A nossa segunda conversa, em maio, foi com Tito Mouraz, um artista do Porto, que trabalha com meios analógicos, explorando as questões de obsolescência.
Também em termos de suporte?
O Tito Mouraz trabalha com materiais que deixaram de ser produzidos em 2012 e, portanto, os que restam já se estão a deteriorar. Trata-se de filme Polaroid, mas que se separa. A potencialidade é que, se não separarmos logo a parte positiva e a parte negativa, o negativo fica com os químicos e pode ser feita uma transferência para papel. Podemos também sobrepor camadas. Isto é muito interessante também porque subverte a ideia de que a fotografia é reprodutível. Estamos a criar um objeto único. O Tito Mouraz tem um projeto muito interessante a este nível, dos mais recentes, que é o “Mergulho”, feito nos Açores.
E agora, para esta terceira conversa do ciclo, temos a artista Susana Paiva…
Sim, que tem trabalhado muito com processos fotográficos experimentais e, sobretudo, quimigramas. Aqui a questão da gestualidade, da imprevisibilidade do processo, cria uma ligação a outras artes, como a performance e a pintura.
Outra diferença neste ciclo das Conversas Foto-Fílmicas é que, em vez de termos um investigador convidado a cada sessão, é a própria Sandra que assegura sempre esse papel. Que vantagens traz essa presença em todo o ciclo?
Para o meu projeto de Pós-Doutoramento traz imensos benefícios, uma vez que me permite acompanhar o processo todo. Por outro lado, também é interessante porque se pode sempre fazer ligações de uma conversa para a anterior ou para a próxima. Posso estabelecer relações e imaginar temas para conversas futuras. Interessa-me muito a parte material da fotografia, de como é que as coisas funcionam e o que pode ser interessante explorar.
Muda o tema, muda o formato, com a mesma investigadora em todas as sessões, mas o local das “Conversas” permanece: o Arquivo Municipal de Lisboa. É importante, para a iniciativa, manter esta ligação à cidade?
Interessa sair do espaço universitário, também para chegar a outros públicos. Aproveitámos o protocolo com o Arquivo Municipal de Lisboa que existia anteriormente e, como havia esta continuidade com o projeto inicial, decidimos retomar o mesmo espaço. Só com uma diferença: no anterior ciclo, o local era alternado de acordo com o tema – fotografia ou cinema – entre o Arquivo Fotográfico e a Videoteca. Neste caso, como é só imagem fotográfica, estamos só no Arquivo Fotográfico.
Que públicos têm assistido e participado nestas sessões?
Temos tido bastante público – que esperamos ampliar depois em contexto digital. As conversas foram gravadas e serão depois disponibilizadas num website para o efeito. Nas sessões presenciais, contámos com investigadores do ICNOVA e de outros centros e instituições, interessados no tema. Mas também temos público interessado especificamente naquele artista que convidámos. No ciclo anterior das Conversas Foto-Fílmicas, como existiram bastante sessões, já havia um público estabelecido. No caso do Photo Limits, tivemos quase de começar de raiz. Mas é interessante como a conversa acaba por ser muito ampla e alargar-se com as questões do público. No caso da Carla Cabanas, por exemplo, falou-se muito do tema que ela trabalha, a família e as fotografias de álbuns de família, e da carga emocional que estas imagens têm. As pessoas consideraram muito interessante como a artista trabalha a questão do apagamento – riscar, tirar pedaços, pintar por cima… –, numa dualidade que é ao mesmo tempo destruição, mas também conservação. Ou seja, as conversas começam na parte material, nos limites tecnológicos subvertidos, mas depois ganham uma vida própria. E isso também é muito positivo.