O novo livro de Francisco Rui Cádima estará nas livrarias já no próximo mês de abril, numa altura em que perfazem 48 anos de democracia em Portugal, justamente após também 48 anos da ditadura de Salazar e Caetano. Para além de analisar as relações dos presidentes da República com os mediano pós-25 de Abril, a obra sintetiza uma história da comunicação social desde o 25 de Abril de 1974 até aos nossos dias.
Se são múltiplas as perspetivas de cada presidente relativamente à comunicação social, esta obra destaca um tom crítico comum a todos os PR que perfizeram dois mandatos.
Eanes conheceu o dispositivo mediático televisivo por dentro, e isso será determinante na sua interação futura com os media já na Presidência da República e na sua perceção de fenómenos de controlo dos media pelo sistema político-partidário, que refere como uma continuada “colonização” dos meios de comunicação social.
Soares viveu intensamente os dois lados da barricada. Por um lado, manipulou e instrumentalizou os media: “Não me isento de culpas, que as tenho e grandes, em matéria de relacionamento com a comunicação social”. Por outro lado, sentiu-se gravemente atacado pelos mesmos media que antes tinham estado sob o seu controlo. Isso é claro na sua mensagem à Assembleia da República sobre a manipulação da RTP pelo executivo de Cavaco Silva, quando disse que o que ali se passava era “indigno de um país democrático”.
Sampaio também tinha frequentes queixas dos media. A cobertura mediática das atividades da Presidência deixava-o muitas vezes insatisfeito e crítico. Para Jorge Sampaio a comunicação social precisava de ser objeto de uma pedagogia que a libertasse da obsessão do acessório e do imediato. Chegou a reconhecer a ineficácia das políticas de comunicação da União Europeia, das quais esperava uma “diferente perícia” para comunicar a bondada de um caminho.
Se Sampaio foi um Presidente tranquilo em matéria de media, Cavaco Silva seria um Presidente intranquilo e algo angustiado perante os meios de comunicação social e os jornalistas. Nesta desconfiança progressiva dos media por parte deste PR há também um fator externo que tinha vindo, entretanto, a constituir-se: o fator Sócrates. A crescente tensão entre Belém e São Bento deixaria a presidência de Cavaco marcada por um progressivo declínio da sua imagem nos media e na opinião pública. O seu segundo mandato acabaria por ser “altamente impopular”: o “líder carismático notável” dos anos 80 estava então irreconhecível.
Marcelo, “o comunicador”, e já com o estatuto de “celebridade” televisiva, fundou uma magistratura assente na “comunidade de afetos” e na “descrispação” política. O seu primeiro mandato decorre em pleno “estado de graça”. Tem uma presença quase monopolizadora nos media. Não é só fonte hegemónica, marca a própria agenda. Marcelo é um Presidente que, ao contrário de todos os outros, pelo menos no seu primeiro mandato, não teve qualquer grande questão com a comunicação social, nunca fez uma crítica institucional direta, forte, ao sistema de media, como Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco fizeram. O “dispositivo” Marcelo encarnou na perfeição no dispositivo mediático.
Como olhar então para estes quase cinquenta anos de história dos media em Portugal? Como ver essa evolução associada a estes cinco grandes protagonistas da história portuguesa, supremos magistrados da nação, e como pensar essa história sob a influência e o exercício da sua ação política? Qual, ou quais deles, foram mais determinantes no impulso ou na inflexão do caminho para a consolidação do pluralismo e da diversidade da comunicação social, no reforço sustentado da opinião pública portuguesa e da sua literacia mediática?
É sabido que a comunicação social é um sector estratégico nas democracias modernas, dela depende, em boa parte, a autonomia da opinião pública e a formação de uma cidadania sólida onde a participação e a virtude civil não sejam estranhas.
Estes desígnios ganharam importância acrescida após o final do século XX, com a emergência das redes sociais, que trouxeram consigo fenómenos globais,
bastante complexos, de desinformação, despolitização e polarização política. Como se tem vindo a verificar, os novos gatekeepers do jornalismo são, cada vez mais, os algoritmos das redes sociais. Isso acaba por devolver à imprensa e ao jornalismo uma função renovada, de valor acrescido, decisivo para as atuais sociedades democráticas.
Portugal viveu no pós-25 de Abril tempos disruptivos. Abolimos a censura e recuperámos a liberdade de expressão e de imprensa. Concluímos o processo complexo de independência das ex-colónias espalhadas pelo mundo. Consolidámos um sistema político-partidário semi-presidencialista. Aderimos à CEE e ganhámos um novo estatuto no contexto mundial das nações.
Quase cinquenta anos depois de Abril, o atual momento é crítico. Temos hoje um sistema de mediaprecário, pouca transparência e reduzido escrutínio da coisa pública. Uma cidadania algo descrente no crescimento do país e nas forças da inovação na economia e na sociedade como aliados naturais de uma democracia moderna, ao contrário do que ambicionava o Presidente Sampaio.
Como se verificará nesta obra, diversa foi – e será, certamente – a contribuição dos presidentes para o campo dos media, sobretudo no que tem a ver com a consolidação do regime democrático e o desenvolvimento e a sustentabilidade do país.
Aborda-se ainda a questão do reforço da legitimação das entidades reguladoras – bem como o reforço da sua estrita independência, que poderá vir a passar pela nomeação partilhada entre PR e AR dos seus membros. Isso não somente relegitimará o estatuto destas entidades, como contribuirá para um modelo de regulação mais forte e transparente, menos capturável pelos regulados e pelos governos. Neste caso, para uma comunicação social mais escrutinadora, plural e consolidada.
Nota biográfica
Francisco Rui Cádima é professor catedrático aposentado do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. É investigador do ICNOVA – Instituto de Comunicação da NOVA, tendo sido diretor deste instituto de 2017 a 2021.
Foi membro do Conselho Científico da NOVA FCSH (2013-2018), Coordenador do Departamento de Ciências da Comunicação e dos cursos de doutoramento de Ciências da Comunicação e mestrado de Novos Media e Práticas Web.
Foi representante de Portugal no Conselho Intergovernamental do Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (PIDC) da UNESCO (2001-2005). Entre 1999 e 2004 lançou o Obercom – Observatório da Comunicação, tendo sido o seu primeiro diretor.
Foi diretor e membro da direção de várias revistas académicas e científicas: Media e Jornalismo (CIMJ e ICNOVA); Observatório (Obercom); Revista de Comunicação e Linguagens (CECL) e Tendências XXI (APDC). Foi Consejero Asociado da revista TELOS – Cuadernos de Comunicación e Innovación, da Fundación Telefónica.
Integrou equipas de trabalho de Comissões Nacionais como a Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão (1996) e o Livro Verde para a Sociedade de Informação (1997).
Foi membro de diversas associações e conselhos sectoriais, tendo sido nomeadamente membro dos Conselhos de Opinião da RDP e RTP.
Doutorou-se em Comunicação Social pela NOVA FCSH (1993), com a tese O Telejornal e o Sistema Político em Portugal ao Tempo de Salazar e Caetano (1957-1974).
É autor e co-autor de 21 obras sobre comunicação, audiovisual e novos media:
- Perspectivas multidisciplinares da Comunicação em contexto de Pandemia (com Ivone Ferreira) (Vols. I e II). Lisboa: ICNOVA, 2020-2021.
- Diversidade e Pluralismo nos Média. Lisboa: ICNOVA, 2019.
- O (Des)controlo da Internet. Sobre Pluralismo e Diversidade na Rede. Lisboa: Media XXI, 2017.
- A Era Digital – Primeiros Impactos. Media XXI, 2015.
- Comunicação e Linguagem: Novas Convergências. Livro de Homenagem ao Prof. Adriano Duarte Rodrigues. (co-ed. com João Sàágua). Lisboa: FCSH, 2015.
- História, Media, Poder, Lisboa: QuatroCês, 2013.
- Políticas Públicas, Media e Estado. (co-ed. com João Paulo Faustino). Lisboa: Formalpress/Media XXI, 2013.
- Espaço Público, Direitos Humanos e Multimédia: Novos Desafios. (co-ed. com Maria Goretti Pedroso e Rosana Martins). Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011.
- A Televisão, o Digital e a Cultura Participativa. Lisboa: Media XXI, 2011.
- Media, Redes e Comunicação: Futuros Presentes (co-ed. com Gustavo Cardoso e Luís Landerset Cardoso). Lisboa: Quimera, 2009.
- Crise e Crítica do Sistema de Media – O Caso Português. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2009.
- A Crise do Audiovisual Europeu – 20 Anos de Políticas Europeias em Análise. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2007.
- A Televisão ‘Light’ Rumo ao Digital. Lisboa: Edições Formalpress, Col. Media XXI, 2006.
- Representações (imagens) dos Imigrantes e Minorias Étnicas (co-ed. com Alexandra Figueiredo). Lisboa: ACIME, 2003.
- História e Crítica da Comunicação. Edições Século XXI, Lisboa, 2002 (2ª edição). Primeira edição publicada em 1996, também pelas Edições Século XXI.
- Desafios dos Novos Media. Editorial Notícias, Lisboa, 2001 (2ª edição). Primeira edição publicada em 1996, também pela Editorial Notícias.
- Estratégias e Discursos da Publicidade. Editorial Vega, Lisboa, 1997.
- Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa. Lisboa, Editorial Presença, 1996.
- O Fenómeno Televisivo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.