Recepção oficial na Universidade de Massachusetts Darmouth. © José Costa Ramos
Maria do Carmo Piçarra, investigadora ICNOVA (grupo Cultura, Mediação e Artes), foi selecionada para assegurar, de janeiro a maio 2023, a Cátedra Hélio e Amélia Pedroso/FLAD em Estudos Portugueses do Centro de Estudos e Cultura Portuguesa/Tagus Press (CPSC/TP) da Universidade de Massachusetts Dartmouth, com autorização do Reitor da Universidade NOVA de Lisboa. A receção oficial na Universidade decorreu a 18 de fevereiro.
Com esta nomeação, a investigadora será responsável por lecionar um curso de pós-graduação sobre o cinema português durante o Estado Novo, organizar e liderar um festival de cinema português ao longo do semestre da primavera e dar uma palestra pública sobre um tema da sua especialização.
Maria do Carmo Piçarra: “Procuraremos mostrar filmes representativos da história do cinema português, mas que estejam também relacionados com o povo, origens e experiências dos emigrantes”
Em entrevista exclusiva, Maria do Carmo Piçarra aborda o programa que está a lecionar no âmbito da Cátedra Hélio e Amélia Pedroso/FLAD e a importância de articular esta oportunidade com a memória histórica dos descendentes portugueses e cabo-verdianos que vivem no Massachusetts.
Qual a importância desta sua nomeação para coordenar a Cátedra neste semestre, tendo em conta também a proposta programática feita?
É um reconhecimento importante da investigação que venho fazendo desde 1998 e que o meu atual contrato como investigadora do ICNOVA-UNL tem permitido aprofundar e organizar. A proposta de programa que estou atualmente a lecionar e organização de um ciclo que mostrará filmes produzidos durante o Estado Novo beneficia do trabalho que venho fazendo, reconhecendo a importância do mesmo e remata este processo, que pretendo que culmine com a edição de um livro sobre o tema. Por outro lado, é uma oportunidade extraordinária para apresentar a minha pesquisa nos EUA e, pessoalmente, lança-me um desafio que é articulá-la com a vivência e memória histórica dos descendentes de portugueses e cabo-verdianos que vivem no Massachussets, sobretudo em New Bedford e Fall River, e que representam uma parte muito importante da comunidade. O festival de cinema cuja programação estou a ultimar, e que será apresentado, em março, na Universidade de Massachusetts Dartmouth – com o apoio da Academia Portuguesa de Cinema e da [produtora e distribuidora] The Stone and the Plot – e, em Abril, num espaço exterior à universidade (estamos a tentar que seja no Whaling Museum, de New Bedford), considera os interesses destes luso-descendentes.
De que forma?
A emigração esteve muito ligada a atividades ligadas ao mar e à pesca – por isso teremos uma colaboração com o FILMar e a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema – e teve uma forte origem nas ilhas da Madeira, Açores e mesmo Cabo Verde (durante o período do colonialismo e da ditadura). Procuraremos mostrar filmes representativos da história do cinema português, mas que, sempre que possível e em função dos títulos disponíveis para mostrar em DCP, estejam também relacionados com o povo, origens e experiências dos emigrantes. Por outro lado, pretendo, durante a minha estadia, encetar uma busca e valorização de filmes de família e/ou amadores feitos por emigrantes portugueses ou luso-descendentes.
É muito diferente lecionar o tema do cinema português durante o Estado Novo em contexto nacional e no contexto norte-americano?
Não será muito diferente, mas, naturalmente, implica uma contextualização histórica e mesmo relativa a questões ideológicas que terei forçosamente que fazer. Outro desafio, mas que tem a ver com o facto de estar a ser acolhida por um centro – o Center for Portuguese Studies and Culture – muito ligado aos estudos literários é ir sublinhando as articulações entre cinema e literatura, através da seleção dos filmes mostrados, tanto nas aulas, como no festival de cinema (foi um dos critérios subjacentes à programação).
Quais são os seus objetivos e prioridades programáticas para este semestre?
Genericamente, propor uma história do cinema português feita a “contrapêlo”, uma “história dos vencidos”, que valorize autoras e autores e filmes que, durante o Estado Novo, foram invisibilizadas/os e mesmo perseguidas/os. Contrapor, a uma história do cinema que foi feita, durante anos, por figuras próximas do regime, como foram Luís de Pina ou Félix Ribeiro, uma outra história, que tenho contribuído para fazer, integrada num grupo em que têm destacado outros investigadores (como o Paulo Cunha, o Daniel Ribas, o Tiago Baptista, etc.). Mostrar, ainda, que existiu um cinema de resistência à ditadura, dentro (através do neorrealismo cinematográfico e do Cinema Novo) e fora (um cinema anticolonial) e destacar os seus autores. Os objetivos visam dois públicos distintos, mas que podem coincidir (as minhas aulas são abertas à comunidade e tenho várias pessoas que assistem sem serem formalmente alunas): os alunos, através das aulas; a comunidade luso-americana e outras com ligações históricas a Portugal. Apoio-me sempre numa metodologia de ação-investigação. Um dos objetivos é sempre promover o debate em espaço público e criar maior consciência e conhecimento que contrarie o que José Gil diagnosticou como o “regime da não inscrição” que ainda vigora em Portugal, onde, segundo Gil – e eu concordo –, persiste um “medo de existir”. Também por isso, as aulas culminarão destacando autores, como a Susana de Sousa Dias.
O que podemos esperar da sua palestra pública?
A minha palestra será um sumário daquilo que irei referindo ao longo das minhas aulas e que, por sua vez, é o resultado de uma longa investigação, que articula análise de filmes, investigação de documentação sobre os mesmos, e um pensamento integrador, além de considerar uma ética que contribua para a “descolonização dos arquivos”.