Estuda há vários anos o processo de tomada de decisão do consumidor e a eficácia da comunicação. Com uma vida profissional pautada por experiências nacionais e internacionais, Ana Margarida Barreto é hoje coordenadora do Grupo de Investigação (GI) em Comunicação Estratégica e Processos de Tomada de Decisão do ICNOVA, que analisa o uso da comunicação de forma planeada, tendo em vista a concretização de objetivos organizacionais.
Em conjunto com Cláudia Pernencar, dinamizou o I Seminário Binacional de Saúde Global dedicado a quatro áreas temáticas – Comunicação em Saúde, Saúde Única, Saúde Digital e Inovação em Saúde, no passado 26 de maio, na NOVA FCSH. Em entrevista ao ICNOVA, Ana Margarida Barreto reflete sobre a importância da Comunicação para a Saúde.
1.O I Seminário Binacional de Saúde global teve como palavras-chave “Comunicação”, “Inovação” e “Sustentabilidade”. Como olha estrategicamente para estas três áreas na Saúde?
São três conceitos pilares com aplicabilidade em diversas áreas do saber para além da Saúde. A Sustentabilidade é hoje uma exigência ambiental, social e económica e a Inovação apresenta-se como o caminho para alcançar este fim. Quando penso em Inovação não penso em tecnologia, mas em formas alternativas de abordar problemas. A Comunicação, nomeadamente a Estratégica, visa a otimização dos recursos disponíveis para alcançar os resultados desejados num dado contexto, por meio de uma comunicação inclusiva, trazendo para o debate não apenas o como, o porquê, mas também o quem da comunicação. Está, por isso, próxima da Inovação ou ao serviço dela. Nesse sentido, são três conceitos interligados e com enorme potencial no que se refere à investigação.
2. Que balanço faz do seminário?
O balanço é muito positivo e gratificante, na medida em que foram cumpridos os objetivos definidos. Temos muitos investigadores a trabalhar a área da Saúde isoladamente no universo NOVA, bem como noutras instituições académicas portuguesas. A nossa intenção foi juntar alguns desses investigadores, num evento luso-brasileiro de networking informal, e contribuir para a partilha de conhecimento. Acima de tudo, dar a conhecer as pessoas e as instituições que representam para numa próxima etapa estimular o desenrolar de futuras parcerias. O feedback que temos recebido é de agrado, tanto pela iniciativa, como pelo seu formato, o que nos leva a pensar repetir a experiência. Além disso, temos recebido várias manifestações de vontade de trabalhar em conjunto, de identificar questões de investigação que possam ser partilhadas e, a partir daí, desenvolver projetos de investigação.
3.Das quatro áreas temáticas a que o seminário se dedicou é possível identificar desafios específicos para cada uma?
A minha área de investigação é a Comunicação, por isso vou-me focar na Comunicação em Saúde, uma área muito ampla, que examina diferentes níveis (intrapessoal, interpessoal, grupal, organizacional e social) e diferentes canais de comunicação com uma diversa gama de contextos sociais. Há questões que precisam ainda de respostas (ou de melhorias) para ajudar os diferentes prestadores de serviços de saúde a cumprir a sua missão. A comunicação centrada no paciente, por exemplo, apesar das evidências contraditórias ou pouco claras encontradas na literatura científica, tem potencial para contribuir para a satisfação do paciente, para a sua adesão ao tratamento médico e para a melhoria do seu estado de saúde. Para isso há que reconhecer que a satisfação não depende apenas da obtenção de um resultado, mas de como esse resultado é alcançado. A comunicação tem aqui um papel importante, nomeadamente a comunicação que enfatiza o diálogo, a confiança e a compreensão mútua.
4. Especificamente na área da Comunicação em Saúde, o acesso à informação tornou-se muito mais fácil – o público parece confiar no Dr. Google – e, por outro lado, é importante que os profissionais de saúde aprendam a comunicar com o público. Qual poderá ser o papel diferenciador da Comunicação Estratégica nas organizações?
No domínio da saúde, a comunicação tem sido conceptualizada como processo social central e necessário para identificar, examinar e resolver problemas de cuidados e de promoção de saúde (health care e health promotion). Essa centralidade tem sido baseada no papel que a comunicação desempenha na criação, recolha e partilha de um dos recursos mais importantes no cuidado e na promoção de saúde – a informação. Mas importa clarificar que a comunicação vai para além da mera transmissão de informação. Pode desempenhar um papel na obtenção de valor para a saúde, isto é, na obtenção dos resultados que mais importam aos pacientes – uma característica das avaliações de cuidados baseados no valor (value based healthcare). Mas, para ser eficaz, a comunicação e os seus elementos constitutivos devem ser claramente definidos, geridos e mensurados de forma holística e integrada. Ou seja, quando falamos em comunicação devemos ter em conta não só a mensagem, mas também as características dos agentes envolvidos, a finalidade, os processos de codificação e de descodificação, o canal de comunicação, o contexto, o feedback e os elementos de interferência.
5.Esta iniciativa foi organizada por si e pela investigadora Cláudia Pernencar, no âmbito do Grupo de Investigação em Comunicação Estratégica e Processos de Tomada de Decisão (em parceria com FIOCRUZ). Que outros projetos estão a desenvolver no grupo no âmbito da Comunicação em Saúde?
Neste momento há investigadores a estudar a Comunicação em Saúde através de diferentes prismas. Há um projecto de investigação que se foca na comunicação médico-utente, nomeadamente no impacto das características dos médicos na predisposição para ouvir os utentes. Noutro projeto, o foco é colocado no lado do paciente, nomeadamente no impacto da literacia em saúde e da capacitação do paciente (patient empowerment) na gestão da doença crónica reumática. E ainda há um estudo de avaliação de eficácia dos Patient-Reported Outcomes Measures (PROMs). Os PROMs são relatórios sobre o estado de saúde do paciente e que provêm diretamente dele, sem interpretação de resposta por parte de um médico ou outra pessoa, e pretendem melhorar a compreensão sobre a doença e o efeito do tratamento, na perspetiva do paciente. Há ainda a participação em dois projetos internacionais, ambos financiados pela FUNCAP – Fundação Carense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e o projeto CoVIVE Social, onde uma investigadora do GI coordena as atividades relacionadas com o Design de Experiência do Utilizador e a Comunicação em Saúde. O objetivo inicial era criar uma plataforma de colaboração, informação e comunicação entre o Serviço Social do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e as famílias durante o período da Covid-19. Mas, percebeu-se que o projeto seria muito mais do que solução para resolver uma situação pandémica. Existia a necessidade de reconhecer e validar os instrumentos de comunicação digital do HGF em termos estratégicos. O outro é o Gissa Intelligent Bot, que tem como principal objetivo o desenvolvimento de uma solução de inteligência artificial voltada para a comunicação com os utilizadores da Atenção Primária em Saúde (APS). O propósito do Chatbot é ajudar as equipas de Saúde da Família a interagirem com pacientes diabéticos e hipertensos, contribuindo, paralelamente, para o reconhecimento e validação do Chatbot como instrumento de comunicação digital sobre o autocuidado, e para a definição de estratégias de informação no meio digital da APS. Ainda no âmbito do Chatbot, vai ser publicado este ano um artigo na Frontiers, com o apoio do GI e do ICNOVA, sobre o sucesso que um instrumento de comunicação digital como o Chatbot pode ter em doenças crónicas, nomeadamente as autoimunes. No que diz respeito ao futuro estamos a trabalhar para promover bolsas de doutoramento em Comunicação em Saúde com parceiros internacionais e há a possibilidade de fazer parte de uma candidatura a um projeto europeu, envolvendo instituições académicas de vários países.
6. A Comunicação em Saúde é apenas uma das linhas de investigação do vosso Grupo de Investigação. Que outras destaca?
O GI em Comunicação Estratégica e Processos de Tomada de Decisão tem como missão estudar o uso que as organizações fazem da comunicação estratégica, para alcançar objetivos organizacionais (sejam eles comerciais, sociais ou políticos), e explicar e prever o comportamento humano como consequência do uso estratégico da comunicação. A nossa investigação é sobretudo aplicada e tem-se dirigido a diferentes domínios e contextos, com foco na Comunicação Organizacional, no Marketing, na Publicidade ou nas Relações Públicas. Quer seja no setor privado ou público. Para além da área da Saúde destaco outros dois campos de atuação que temos trabalhado e que respondem aos objetivos de sustentabilidade definidos pelas Nações Unidas: Cidades e Comunidades Sustentáveis e Produção e Consumo Responsável. No âmbito do primeiro, , o GI conta com organização de duas edições da Conferência Ibero-Americana em Place Branding realizadas nos anos de 2020 e 2021 (a organização da terceira edição da Conferência Ibero-Americana em Place Branding está a decorrer); com a publicação de um número temático de ebook «Place Branding» saído este ano; e com a co-organização da 2ª edição conferência internacional TOCRIA – Tourism and Creative Industries Academic Association, em 2018. Quanto ao tema Produção e Consumo Responsável destaco dois projetos financiados: «Estrategias de Comunicación para Reducir el Consumo Energético», financiado pela Fundación Carolina e Endesa, e «Portuguese Attitudes Towards Energy Consumption (PATEC)», financiado pelo ICNOVA. Este último conta com a colaboração direta da Junta de Freguesia de Penha de França e visa responder à seguinte questão: o consumo eficiente de energia pode ser estimulado de forma mais eficaz pela difusão de informação ou pela difusão de comportamento?
7. Investe-se o suficiente em Comunicação Estratégica na investigação? O que falta fazer?
A Comunicação Estratégica ainda luta pela aceitação e pelo desenvolvimento de uma identidade diferenciadora e independente. O que é natural se tivermos em conta que se trata de uma área recente. Mas há uma crescente procura por este campo de conhecimento por parte dos alunos dos três ciclos de ensino e que não dá sinais de abrandar. Acompanhada, claro, pela emergência de nova oferta letiva ligada à Comunicação Estratégica (cursos, mestrados, especialidades de doutoramento), tanto em Portugal, como fora. São sinais claros da crescente procura por parte das organizações e do reconhecimento da sua necessidade. Veja-se, por exemplo, a criação do NATO Strategic Communications Centre of Excellence em 2014. A Comunicação Estratégica veio para ficar, mas é preciso dar tempo para que estas novas gerações, especializadas na área, possam mostrar os seus contributos. Na NOVA já estamos a fazer um trabalho pioneiro: a especialidade em Comunicação Estratégica existe nos três ciclos de ensino desde 2006 (antes designada por Comunicação Aplicada e depois Comunicação Institucional) e temos o primeiro Grupo de Investigação em Portugal dedicado à Comunicação Estratégica.